terça-feira, 5 de abril de 2011

TACAIMBÓ: REMANDO CONTRA A MARÉ E MARRETANDO A MEMÓRIA


Por Adauto Guedes Neto[1]


[1] Professor de História da Rede Estadual de Ensino, Especialista em Ensino de História-UPE e História do Brasil-FAFICA, mestrando em História pela UFPE.




Passada a euforia do carnaval, aproveitei para mais uma vez observar o que já me atraiu a atenção em outros momentos carnavalescos: o fato de as principais festividades do referido período ocorrerem nos centros urbanos, por exemplo, Recife – marco-zero; Olinda – cidade alta ou Sé, de onde podemos constatar o observatório construído por Duarte Coelho, após do alto mencionar: Oh linda visão para se erguer uma cidade, originando então o nome da mesma; E no interior assim ocorre em Bezerros, Pesqueira, Buíque, em que tais carnavais tem como pólos o centro da cidade. Ou seja, a prática do carnaval é uma atividade cultural não apenas por valorizar o frevo (no caso pernambucano), mas sobretudo por sua prática em ocorrer num espaço que remonta os primeiros carnavais ou num espaço que remonta fragmentos de lembranças que se transforma em memória. Por dar vida a um espaço que tem relação com a origem daquele povo, normalmente o centro da cidade é o lugar preferido mesmo que inconscientemente para a realização de tais festividades.
Porém, infelizmente na cidade de Tacaimbó-PE ocorreu um fato inusitado. O carnaval 2011 não foi realizado no centro da cidade já que lá perdura uma obra que se arrasta há quase um ano: a destruição da Praça Francelino Araújo. Ou seja, utilizando um vocábulo popular: Tacaimbó “rema contra a maré”, tendo em vista que toda cidade que se preze no mundo conserva os espaços que estão ligados à memória popular inclusive por atrativos turísticos, porém na mencionada cidade opta-se pela destruição em vez da conservação. Imaginem se tal mentalidade governasse Roma atualmente, as ruínas do coliseu e outros espaços da memória local seriam destruídos? Imaginem se tal mentalidade governasse o Recife, o frevo seria substituído pela suinguera ou tendas eletrônicas e o marco-zero seria destruído? Já pensou que prejuízo seria à valorização da cultura e sobretudo aos espaços carregados de valores afetivos presentes na memória popular? É bom nem pensar!!!
Talvez os poderosos nem estejam preocupados com isso, pois uma nova Praça gera votos e isso é o que no jogo de interesses da política medíocre vai ser levado em consideração. Pedir que os mesmos que promovem tal destruição se comovam com o fato de tal praça mesmo construída há décadas ter ainda traços modernos e apenas necessitar de reformas que conservem seu traço atual, é pedir demais. Pedir que não apaguem nossa memória[1] à marretadas, espaço das nossas brincadeiras de toca, espaço das canoas de Zé Muriçoca, espaço das vendas de gingibirra em dias de festa, espaço das cirandas após as missas, é pedir demais já que respeito à memória coletiva não gera votos.
No entanto se faz necessário lembrar também que a cidade de Itacuruba[1] é a que detém um dos maiores índices de pessoas com depressão no estado de Pernambuco, e isto está associado a perca de memória que tais habitantes tiveram que conviver com a inundação da primeira cidade, passando a morar num espaço novo. Tomara que isso não nos ocorra, pois motivos de depressão em uma cidade que não oferece qualidade de vida já temos de sobra.
Que a destruição de nossa memória[2] fique apenas nas marretadas sofridas pela Praça Francelino Araújo, apesar de termos que conviver já com a destruição quase que total do cais, pois se tal prática se tornar constante em nossa cidade nos transformaremos num povo sem memória, e um povo sem memória é povo sem cultura e como diria Pedrinho Guareschi: “povo sem cultura, é povo sem alma e povo sem alma é fácil de ser dominado”.





[1] Itacuruba está localizada na Mesorregião do São Francisco, Microrregião de Itaparica à 466 Km do Recife. Em pesquisa realizada pelo CREMEPE, 63% da população é depressiva ou comete suicídio, em Petrolândia tal número se eleva para 68%. São dados elevadíssimos se comparados a média de suicídio em Pernambuco que é de 3 a cada 100 mil habitantes. Se observarmos os dados a cada 100 mil  habitantes, Itacuruba chegaria a 25 suicídios. Fonte: Folha de Pernambuco em 24 de maio de 2007.
[2] Os lugares são importante referência na memória dos indivíduos, donde se segue que as mudanças empreendidas nesses lugares acarretam mudanças importantes na vida e na memória dos grupos. IN: MEMÓRIA E MEMÓRIA COLETIVA de Zilda Kessel.






[1] É interessante ainda apontar que a memória é um objeto de luta pelo poder travada entre classes, grupos e indivíduos. Decidir sobre o que deve ser lembrando e também sobre o que deve ser esquecido integra os mecanismos de controle de um grupo sobre o outro. IN: MEMÓRIA E MEMÓRIA COLETIVA de Zilda Kessel.
                                                                                                          





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